JÚLIA BARBON
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O vereador Jairo Souza Santos Júnior, o Dr. Jairinho, preso sob suspeita de ter matado seu enteado, Henry Borel, 4, já era um nome conhecido no banco de dados do Disque Denúncia, central que recebe queixas anônimas no Rio de Janeiro.
O político foi citado em 37 ligações ao órgão antes do caso, desde 2004, segundo levantamento feito pela Folha de S.Paulo. A maioria delas tem relação direta com as eleições municipais e se refere aos bairros de Bangu, Padre Miguel e Realengo, na zona oeste da cidade, reduto eleitoral de sua família.
A suposta ligação com milicianos, bicheiros ou traficantes é a causa mais frequente, considerando que cada denúncia pode ter mais de um motivo. Em 15 ocasiões, pessoas mencionaram o nome do vereador nessas circunstâncias, muitas vezes relacionado ao do pai, o ex-deputado estadual Coronel Jairo, ambos eleitos pelo Solidariedade.
Uma delas diz que, em agosto de 2008, um condomínio em Bangu foi invadido de noite “por três milicianos armados para colocarem placas de propagandas eleitorais do candidato a vereador ‘Jairinho'” e conta que os moradores estão “horrorizados com a quantidade de placas, mas não podem removê-las por medo”.
Cinco dias depois, outro relato afirma que diariamente podem ser encontrados vários traficantes em um local em Realengo obrigando moradores a votarem no político, e que eles teriam recebido dinheiro para isso, “com o patrocínio do pai”.
A suposta compra de votos é o segundo motivo mais citado, oito vezes. Em julho de 2004, uma pessoa aponta a distribuição de cestas básicas. Dois meses depois, dois relatos afirmam que o candidato “ordenou que indivíduos (não identificados) fizessem um buraco” em uma rua em Realengo para levar água para outra área “em troca de votos”.
Em 2014, três denúncias mencionam o uso de obras e programas públicos para angariar votos. Um condomínio em Realengo estaria tendo seus blocos, quadra esportiva, salão de festas e iluminação reformados por pai e filho. Outra diz que eles estariam oferecendo empregos e burlando a fila do programa Minha Casa, Minha Vida.
O patrocínio a festas e bailes funk na região aparecem seis vezes, em 2004, 2012 e 2020, parte delas em períodos pré-eleitorais ou em apoio a traficantes. Moradores citam as músicas “em altíssimo volume” e “muita baderna”.
A denúncia mais grave se refere a dois assassinatos ocorridos em janeiro de 2009, dentro de um bar em Bangu. Um dos homens mortos teria trabalhado para Dr. Jairinho e Coronel Jairo e teria discutido com um “gerenciador da campanha” não identificado. Seria, ainda, integrante da família.
Citações a Jairinho em ligações ao Disque Denúncia entre 2004 e 2020 Total: 37* Ligação com milicianos, bicheiros ou traficantes: 15 Compra de votos: 8 Patrocínio a festas e bailes funk: 6 Outras denúncias ligadas a eleições: 6 Ameaça a moradores: 4 Barulho/carros de som: 4 Assassinato: 1 Bairros citados.
Bangu: 15 Padre Miguel: 7 Realengo: 7 Campo Grande: 3 Senador Camará: 2 Del Castilho: 1 Santa Cruz: 1 São Conrado: 1 *Cada denúncia pode ter mais de um motivo.
As informações são encaminhadas pelo Disque Denúncia -que tem parceria com o governo do estado mas é mantido por empresas- às autoridades competentes, como o batalhão da Polícia Militar e a delegacia da área, ou o Tribunal Regional Eleitoral.
O coordenador da central, Zeca Borges, confirma que Jairinho vinha sendo citado há anos, principalmente por questões eleitorais, e que não foi recebida nenhuma queixa sobre agressão doméstica. Ele afirma que não chegou resposta sobre essas denúncias e que elas não foram confirmadas.
Após a morte de Henry, nove pessoas ligaram para falar sobre o caso, mas a maioria apenas deu informações que estavam sendo divulgadas. “Uma denúncia boa é quando é feita antes de acontecer, depois fica muito difícil porque a pessoa leu no jornal, constrói uma narrativa”, diz ele.
Jairinho e Coronel Jairo também já haviam sido citados como líderes de milícias 13 e 5 vezes, respectivamente, em um estudo feito em 2007 e 2008 pelo sociólogo Ignacio Cano, da Uerj (Universidade do Estado do RJ) com moradores de áreas dominadas por esses grupos na zona oeste carioca, como publicou a Folha.
O pai foi mencionado ainda no relatório da CPI das Milícias realizada na Assembleia Legislativa, em 2008, e chegou a ser investigado pela tortura de uma equipe de reportagem do jornal “O Dia” na favela do Batan, na zona oeste, mas não foi indiciado porque não havia provas. Ele sempre negou ter qualquer relação com milicianos.
Nascido e criado em Bangu, Jairinho se formou em medicina, mas acabou se tornando herdeiro político do Coronel Jairo. Vereador desde 2005, quando tinha 27 anos, ele está em seu quinto mandato após ter sido reeleito no ano passado com 16 mil votos.
Na Câmara Municipal do Rio, foi 1º Secretário e líder do governo em mandatos anteriores do prefeito Eduardo Paes (DEM) e na última gestão de Marcelo Crivella (Republicanos). Na disputa pela prefeitura no ano passado, trocou de lado e trabalhou pela eleição de Paes.
Jairinho ficará automaticamente afastado de seu mandato a partir do 31º dia de sua prisão, que será completado em 9 de maio. Se ficar suspenso por mais de 120 dias, entra em seu lugar seu suplente, Marcelo Diniz.
Diniz é presidente da Associação de Moradores da Muzema, comunidade na zona oeste do Rio controlada por uma milícia, e já foi citado 13 vezes em ligações ao Disque Denúncia supostamente por fazer parte do grupo criminoso e extorquir moradores.
A maioria dessas queixas ocorreu logo após um depoimento que prestou à polícia em abril de 2019, sobre o desabamento de dois prédios na favela que deixou mais de 20 mortos. Investigações do Ministério Público apontaram que a milícia da região constrói e vende imóveis irregulares.