ALINE MAZZO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O já conhecido comércio de falsos atestados médicos na região da praça da Sé, região central da capital paulista, adaptou-se para atender a mais nova demanda: documentos que atestem comorbidades para quem deseja furar a fila da vacina contra Covid-19.


O “kit completo” inclui atestado médico com a suposta doença e o receituário de um medicamento usado. Tudo sai por R$ 220, pagos em dinheiro, “mas só quando eu te entregar a papelada”, afirma um dos negociadores, tentando dar garantia do serviço.


Neste mês, pessoas com comorbidades para Covid-19 (como diabetes, hipertensão, doenças cardíacas, entre outras) podem se vacinar em São Paulo -cada município define as faixas etárias que estão liberadas. A imunização desses pacientes, no entanto, exige comprovação da doença, seja por meio de atestado, receita ou laudo médico.


A oferta e compra dos documentos falsos acontece a poucos metros de policiais militares, entre a saída do metrô Sé e a entrada do Poupatempo, na praça do Carmo. A Folha esteve no local nesta terça (25) e na quarta-feira (26) e acompanhou como funciona o esquema.


Os atestados não são oferecidos em alto e bom som pelos arrastadores –que têm a função de angariar clientes que precisam tirar foto 3×4 ou fazer cópias de documentos para levar ao Poupatempo–, mas basta perguntar a um deles como conseguir um atestado que já se ouve: “É pra vacina?”


Diante da resposta positiva, eles dizem que esse documento “é mais complicado” e encaminham o interessado para um arrastador específico, que se encarrega da negociação.

Usando máscara no queixo e com olhar sempre atento aos policiais militares que passam pelo local, Rogério, como ele se apresenta, já avisa que o serviço tem um preço salgado “porque não é fácil conseguir toda documentação que estão pedindo”, referindo-se à exigência de comprovar doença para ser vacinado.


A reportagem o questionou, sem se identificar, como conseguir um atestado que comprovasse comorbidade para se vacinar contra Covid-19. De pronto, Rogério pergunta se a pessoa é “mais nova ou mais velha”. “Quem é mais novo a gente coloca diabetes, para não dar erro. Se for mais velho, pode ser pressão alta mesmo.”

O atestado, continua Rogério, vem com o nome completo do suposto paciente, número da CID (Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde) e assinatura e carimbo de uma médica com CRM “quente”, referindo-se à validade do registro no Conselho Regional de Medicina.


Isso porque, no sistema usado nos postos de saúde para registro de pessoas vacinadas contra a Covid, o Vacivida, há um campo para inclusão do CRM do médico que assina documentos e laudos que comprovem a doença ou deficiência do paciente.

Pelo atestado falso, diz o negociador, o valor cobrado é de R$ 150 –mais que o triplo do pedido pelos falsários por um atestado comum, que sai por R$ 40 e é usado geralmente para abonar faltas ao trabalho.


Rogério, no entanto, alerta que, para a comprovação completa da comorbidade junto ao posto de saúde, o recomendado é também adquirir uma receita falsa, com prescrição da medicação para a doença escolhida.


“Sai mais R$ 70. Vem o nome do remédio, quanto tomar e a assinatura de outro médico, com CRM quente também”, diz.


Para dar mais credibilidade à fraude, Rogério orienta a reportagem a utilizar a receita na compra do remédio ao menos uma vez. Assim, segundo ele, o documento terá o visto de um farmacêutico, o que descartaria qualquer suspeita de irregularidade.


“Demora cerca de 30 minutos. Você me dá o nome completo da pessoa e pode esperar por aqui mesmo ou até naquela lanchonete, tomando um suco. Eu vou até o escritório e já volto com a papelada. Você só me paga quando eu te entregar a papelada”, explica.


Questionado pela reportagem se poderia passar o número do CRM dos profissionais usados no atestado e na receita, antes de contratar o serviço, a fim de verificar se são mesmo verdadeiros, o negociador targiversa.

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