BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Seis em cada dez professores se sentiram sem condições de ministrar aulas remotas em casa e com dificuldades de adaptação, além de enfrentar o drama de infecção e mortes por coronavírus que todos os brasileiros vivem desde o ano passado.

Mas a interrupção de aulas presenciais reforçou o preocupante diagnóstico de saúde mental enfrentado pelos docentes na forma de um certo alívio para eles: o período abrandou os altos índices de depressão e síndrome de burnout identificados entre os professores brasileiros.


É como se o trabalho nas escolas do país fosse mais danoso para a saúde mental desses profissionais do que a instabilidade provocada por uma pandemia.

Esse cenário está em uma pesquisa sobre saúde mental e bem estar dos professores, coordenada pelo pesquisador Flavio Comim, docente na Universidade Ramon Llull (Barcelona) e de Cambridge (Reino Unido).
As aulas presenciais em diversos estados começaram a ser retomadas. Na cidade de São Paulo, o reinício ocorre nesta segunda (1º) em escolas particulares.

Encomendado pelo Instituto Tim, o estudo conseguiu mensurar dois momentos: antes da pandemia, no início de 2020, e ao fim do ano passado, com as escolas fechadas por boa parte do ano letivo.

Os dados, coletados com 769 professores de escolas públicas e privadas de 22 estados, apresentam um nível de confiança de 95%. A margem de erro fica entre 3% e 4% na amostra antes da pandemia e vai de 5% a 6% na coleta do fim do ano (com 283 pessoas, mas o mesmo nível de confiança).

A pesquisa lançou mão de cinco instrumentos de análise validados internacionalmente. O objetivo foi entender e relacionar níveis de depressão, burnout, bem-estar, satisfação no trabalho e autoeficácia.

O estudo mostra que a depressão atinge 16,6% das professoras e professores (antes da pandemia). Dados da Organização Mundial de Saúde indicam que 5,8% dos brasileiros sofrem com a doença.

Em uma das partes do questionário sobre depressão, 14% dos professores afirmam ter pensado que era melhor estar morto em vários dias, metade do tempo ou em quase todos os dias. Número alto e preocupante, segundo Comim.
“Muito se pesquisa sobre recursos para educação, incentivos, pedagogia, mas para o essencial da educação se olha pouco. Cuidar dos professores é cuidar da educação”, disse.

O contexto enfrentado por eles inclui violência, dificuldades financeiras e pouco apoio profissional: 72% dizem ter sido agredidos verbal ou fisicamente por alunos, 24% exercem outra atividade para complementar renda e um terço se sente desamparado pela coordenação.

Os professores lecionam, em média, para turmas de 28,5 alunos, segundo a pesquisa.

É unânime o entendimento, em pesquisas nacionais e internacionais, do papel central do professor para o aprendizado dos alunos. No Brasil, há cenário de desvalorização.

Especialistas indicam que, sem elevar salários e melhorar condições de trabalho, o país terá cada vez mais dificuldades de atrair bons estudantes da educação básica para a carreira.

No questionário da avaliação federal da educação básica, de 2017, por exemplo, um terço dos docentes de escolas públicas de ensino fundamental afirmou ter a percepção de que a sobrecarga de trabalho e a insatisfação e desestímulo com a carreira afetam o aprendizado dos estudantes.

Doenças mentais são os principais motivos de licença de professores. A literatura científica descreve a recorrência na categoria da chamada síndrome de burnout (ou de esgotamento profissional), um estresse persistente, resultante de pressão emocional associada ao intenso envolvimento profissional com pessoas por longos períodos.

Cerca de 95% dos professores apresentam altos níveis de esgotamento emocional, segundo os dados coletados sobre burnout por Comim e equipe.
Mais da metade se sentia esgotada ao final do dia “algumas vezes por semana” ou durante todo o mês.

Com a chegada da pandemia da Covid-19, a grande maioria (91%) deu aulas online. Mas 58% disseram não ter condições para lecionar sem barulhos ou interrupções.

A doença infectou 17% dos professores e 67% perderam um conhecido infectado pelo coronavírus. A Covid-19 atingiu com mais força professoras e professores negros, segundo a pesquisa.

Também foi de 67% o percentual de professores com queda na própria renda ou na de alguém com quem vivem.

Apesar de tudo isso, quando os pesquisadores voltaram a falar com os docentes, no fim de 2020, identificaram uma melhora na maior parte dos indicadores que compõem os instrumentos de depressão, burnout e bem-estar –o que deixa mais claro o efeito das condições de trabalho das escolas na saúde mental dos profissionais.

O cenário de esgotamento ao final do dia de trabalho recuou 14,7%. Com relação a pensamentos de morte, a melhora foi de 14,9%. Índices de desânimo e falta de esperança diminuíram 20%.

“Todos os anos vemos dados de agressões verbais, físicas e visuais [com escolas precárias] contra professores. Esses níveis de violência criam um ambiente de tensão crescente”, diz Heleno Araújo, presidente da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação).

Araújo refuta a ideia de que o professor não queira voltar à escola –os sindicatos da categoria têm sido contra o retorno diante dos atuais índices de transmissão de Covid.

“Os prejuízos são enormes, é uma situação difícil, mas a maioria das escolas públicas não tem condições de dar maior segurança sanitária”, disse.

O ex-secretário municipal de Educação de São Paulo Alexandre Schneider afirmou que a escola sofre dois dramas. “De um lado, está sozinha no território, não integrada com os outros serviços públicos. Por outro, absorve todos os problemas da comunidade e para os quais os professores não são formados”, disse ele, que é colunista da Folha.

É necessário, afirmou, integrar políticas direcionadas a famílias, estudantes e profissionais da educação, além de articular a educação com as áreas de saúde, assistência, renda, esporte e cultura.

Para Comim, o país precisa pensar qual “novo normal” quer estabelecer para os professores. “Temos de olhar para as condições de trabalho, as pessoas estão esgotadas.”

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