Animadas ao lado do Papai Noel, duas crianças são interrompidas pela mãe, que já havia feito meia dúzia de fotos. “Ele está cansado, veio lá do Polo Norte”, diz ela, pontuando a mentirinha com uma piscadela. “Haaa! Haa! Ha!”, o bom velhinho ri. E, com simpatia, nega a comparação com o personagem. É que o do Polo Norte é branco. Ele, negro. “Não vim, não: sou um Papai Noel brasileiro.”
O “Papai Noel brasileiro” é Rubens Campolina, que trabalha em um shopping em São José dos Campos, no interior paulista. Aos 69 anos, mantém um corpanzil de 112 quilos e 1,78 metro de altura, que dispensa enchimento para a fantasia. A barba, nem tão longa nem tão curta, também é natural. “Estou muito contente em representar os negros, mas não é só isso. Minha alegria é que todo mundo está aceitando muito bem.”
Em sua primeira vez como bom velhinho, ele tem feito sucesso no Vale Sul Shopping, onde divide a escala de trabalho com dois Noéis brancos. Funcionários relatam que a fila – boa parte formada por adultos – aumenta quando é a vez dele. “Adorei, é muito simpático”, diz a babá Joana D’Arc Xavier, de 50 anos, que fez questão de abraçá-lo e tirar foto. “É a primeira vez que vejo um Papai Noel negro.”
Segundo a coordenadora de marketing do shopping, Luana Feichas, o Natal começa a ser planejado em janeiro. Neste ano, estava desfalcado de um Noel, então traçaram um perfil: bonito, carismático e de bom trato com crianças. “Já na primeira conversa deu para ver que ele preenchia todos os requisitos. Até a risada é parecida.” Campolina ri curto e decrescente (“Haaa! Haa! Ha!”), quase o tradicional “Ho! Ho! Ho!”.
O shopping fez buscas em casas de idosos na cidade. O que chamou atenção é que Campolina havia vencido um concurso de Mister Terceira Idade, em 2016. “Sou um idoso que se cuida jogando dominó. Haaa! Haa! Ha!” Nascido em Moeda, no interior de Minas Gerais, mudou-se ainda na infância para São Paulo e trabalhou com fabricação de empilhadeiras. “Nunca pensei em ser Papai Noel Nem de passear em shopping gostava”, diz. E ri.
Satisfação
Com quatro filhos e quatro netos, Campolina sempre se deu bem com criança. “E quem não gosta?! Eu adoro.” A reação inicial, porém, foi recusar ser Papai Noel. “Disse não porque sei do preconceito.” O shopping até ofereceu tratamento psicológico para que ele estivesse preparado para algum caso de racismo. “Depois entendi que era um desafio e aceitei.”
Mais de um mês após assumir o cargo, ele é só elogios. “Tem sido maravilhoso. Recebo pedido de muitas pessoas, não só de criança. Tem pai, mãe, avó. Tem mulher que fala que quer um marido igual a mim. Aí, tenho de ter jogo de cintura. Respondo: ‘Igual a mim vai ser difícil’. Haaa! Haa! Ha!”
A professora Roberta Schutze, de 42 anos, viu os filhos Vitor, de 6, e Alice, de 3, se despedirem contentes do Papai Noel. “Foi o mais simpático que já encontrei.” Tímido, o menino também diz que gostou. “Ele é legal.” E notou diferença nesse Papai Noel? Vitor, branco, dá uma espiada para se certificar e responde: “Não, nada”.