Demétrio Vecchioli – Folhapress
O governo de São Paulo falhou no plano de buscar até R$ 40 milhões em cotas de publicidade para cobrir parte do custo de compra dos direitos de realização do GP São Paulo de Fórmula 1. Das quatro cotas disponibilizadas em um edital lançado em setembro, só três foram vendidas -sendo uma delas para uma entidade ligada ao próprio governo estadual- e pelo total de R$ 18 milhões.
Ainda que o governador João Doria (PSDB) tenha se colocado publicamente como o responsável por manter a Fórmula 1 em São Paulo, em oposição à vontade do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em levar a categoria ao Rio de Janeiro, foi a prefeitura paulistana, ainda na gestão Bruno Covas (PSDB), que comprou os direitos do evento e está arcando com a maior parte do custo.
O acordo, por cinco temporadas, tem custo de US$ 25 milhões por prova/ano. Pela cotação do dia, isso equivale a mais de R$ 137 milhões. A prefeitura, agora sob gestão Ricardo Nunes (MDB), também fechou um contrato para pagar R$ 20 milhões ao ano para uma empresa promover a corrida e assumiu a responsabilidade por manter o autódromo de Interlagos em condições de receber a categoria. A reforma deste ano custou mais R$ 10,7 milhões.
Doria, porém, se comprometeu que o governo do estado pagaria parte da conta, comprando da prefeitura as quatro cotas publicitárias que foram cedidas pela Fórmula 1 à cidade. A reportagem apurou que o combinado era o governo estadual pagar por elas US$ 12,5 milhões (R$ 66 milhões à época do trato, há um ano), cobrindo metade do custo total do fee, a taxa que dá direito a sediar a corrida, pago pela gestão municipal. No fim, foram pagos R$ 53 milhões apenas.
O objetivo, conforme antecipou o blog Olhar Olímpico, do UOL Esporte, em maio, era vender cada uma dessas cotas por R$ 10 milhões. Se tudo desse certo, o estado arcaria só com R$ 26 milhões para ter o GP, uma vez que compraria as cotas por R$ 66 milhões e as revenderia por R$ 40 milhões.
O mercado, porém, frustrou essas contas. Depois de conversar com interessados no negócio, o governo de São Paulo abriu edital oferecendo uma cota “ouro”, uma “prata” e duas “bronze” por, no mínimo, R$ 10 milhões, R$ 6 mi e R$ 4 mi cada, respectivamente. Os naming rights não fazem parte do pacote, tendo sido vendidos pela F1 à cervejaria Heineken.
Para atrair mais interessados, a prefeitura se valeu de uma brecha na Lei Cidade Limpa, que permite ações extraordinárias em eventos de interesse do município. A corrida conseguiu o direito de expor banners em avenidas importantes como a Paulista e a Faria Lima, possibilitando que os patrocinadores tenham visibilidade não apenas no autódromo, mas em locais onde, em outras condições, não poderiam estar.
Mesmo assim, só três interessados apareceram, e cada um ofereceu pagar somente o valor mínimo, já que não havia concorrência. A Raízen/Shell pagou R$ 10 milhões pela cota ouro, e as de bronze, por R$ 4 milhões, foram vendidas à securitizadora Fortesec e à Fundação 25 de Janeiro, que é o Convention & Visitors Bureau de São Paulo e tem o Grupo Doria e a Secretaria de Turismo em seu conselho curador.
Nem a prefeitura nem o governo estadual responderam questionamento da reportagem sobre a previsão inicial de arrecadação com as cotas. A gestão municipal disse que “poderia ter negociado diretamente com o mercado, mas, na oportunidade, se entendeu conveniente que o Estado o fizesse”, sem explicar por quê.
O governo Doria não respondeu nenhuma das perguntas formuladas pela reportagem, se limitando a enviar vídeo de entrevista coletiva do governador realizada na quarta-feira (10) depois do envio dos questionamentos.
No entanto, as questões levantadas pela reportagem não foram lidas na entrevista na qual o secretário de Turismo, Vinicius Lummertz, informou que a cota não vendida será utilizada pelo “próprio governo para fazer a divulgação do destino São Paulo”.
No total, para ter a corrida de Fórmula 1 deste fim de semana, o poder público de São Paulo gastou mais de R$ 170 milhões -mais de R$ 130 milhões pagos à F1, R$ 20 milhões, à promotora, e R$ 10 milhões gastos em reformas-, arrecadando R$ 18 milhões com a venda de cotas publicitárias.
Dessa diferença, R$ 152 milhões, a maior parte, mais de R$ 117 milhões, sai dos cofres da prefeitura. O governo do estado entrou com R$ 35 milhões.
Na entrevista coletiva de quarta, Doria citou que a expectativa é que a corrida gere um impacto econômico de R$ 810 milhões. Um estudo da SPTuris publicado após a prova de 2019 calculou que a corrida daquele ano gerou impacto econômico de R$ 360 milhões, menos da metade do previsto agora. A expectativa é que 170 mil pessoas passem por Interlagos, contra 158 mil em 2019.