THAIZA PAULUZE
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) –
O email recebido pela primeira mulher negra eleita vereadora em Curitiba, Carol Dartora (PT), neste domingo (6) começa com “sua aberração. Macaca fedorenta, cabelo ninho de mafagafos, cara de favelada!” e segue com uma ameaça de morte, de “meter uma bala na sua cara”.
É a mesma mensagem recebida por ao menos outras três políticas recém-eleitas, em um ataque que parece orquestrado: a primeira mulher prefeita de Bauru (SP), Suéllen Rosim (Patriota), e a primeira vereadora negra de Joinville (SC), Ana Lúcia Martins (PT).
Além de Duda Salabert (PDT), a primeira vereadora trans e a mais votada no pleito, em Belo Horizonte -mas, no seu caso, o xingamento racista deu lugar ao transfóbico, chamando-a de “pedreiro de peruca”.
“Eu juro, mas eu juro que vou comprar uma pistola 9 mm no Morro do Engenho, aqui no Rio de Janeiro, e uma passagem só de ida para [Curitiba, Bauru, Joinville ou Belo Horizonte] e vou te matar. Eu já tenho todos os seus dados e vou aparecer aí na sua casa”, ameaça o remetente da mensagem, que em seguida cita o endereço de cada uma.
A petista Carol Dartora, que se identifica como feminista negra e militante das causas populares, escreveu em rede social sobre a ameaça, que “eles combinaram de nos matar, mas nós combinamos de ocupar tudo”.
“Eu não vou sair chorando, gritando. Não é a primeira vez na minha vida que sofro injúrias raciais, isso faz parte do cotidiano de pessoas negras. Me elegi falando de questões raciais, foram quase 9.000 pessoas que depositaram um voto de confiança em mim. Eu vou entrar naquela Câmara de Vereadores dia 1º [de janeiro] e fazer esse debate”, afirmou, em vídeo.
Já a jornalista Suéllen Rosim, que se descreve como evangélica e conservadora, vem recebendo outras mensagens racistas desde que foi eleita prefeita.
A Polícia Civil de São Paulo já identificou o autor de uma delas: um homem negro de 37 anos, que usou um perfil falso para escrever: “Bauru não merecia ter essa prefeita de cor com cara de favelada comandando nossa cidade. A senzala estará no poder nos próximos quatro anos”. Ele foi interrogado e deve ser indiciado ao final do inquérito.
No caso de Duda Salabert as ameaças foram enviadas também à escola onde trabalha como professora.
“Estou sofrendo ameaças de morte. Ontem recebi esse email. E pior: o grupo odioso enviou esse mesmo email para os donos e para a direção da escola onde trabalho. É uma estratégia não só para me intimidar, como também para forçar que a escola me demita”, escreveu, no Twitter.
A também professora e servidora pública aposentada, Ana Lúcia Martins, tem feito campanha nas redes sociais para pressionar o governador de Santa Catarina Carlos Moisés (PSL) a lhe oferecer proteção.
“É dever do Estado garantir a segurança de Ana Lúcia, com carro blindado, escolta, celeridade nas investigações e responsabilização de quem está ameaçando, para que ela possa exercer o seu mandato. Só assim poderemos garantir que mais mulheres negras possam estar nestes espaços de decisão e garantir que o crime covarde que ocorreu com Marielle [Franco] não se repita nunca mais”, diz o texto.
Todas afirmam ter registrado ocorrência e que os ataques estão sendo investigados pela Polícia Civil.
Os emails são enviados no nome do analista de sistemas Ricardo Wagner Arouxa, 28. Mas não é ele o autor das mensagens e dos disparos.
Arouxa é uma vítima da maior quadrilha de crimes de ódio da internet brasileira, que usa seus dados pessoais para enviar textos de cunho racista, machista e homofóbico, segundo reportagem da revista Época.
O analista de sistemas já chegou a ser alvo de uma operação da Polícia Civil do Rio, que com mandado de busca e apreensão, recolheu seus computadores, celulares e discos rígidos.
A razão da operação foi uma ameaça de bomba, supostamente feita por Arouxa. Os alvos seriam a Ordem dos Advogados do Brasil do Rio e o advogado Rodrigo Mondengo. Ambos haviam processado Arouxa.
Ele, no entanto, já colaborava há um ano com as investigações sobre imputações falsas de crime, em inquérito da Delegacia de Repressão de Crimes de Informática da Polícia Civil do Rio.
A quadrilha de crimes de ódio se apropia do nome de outras pessoas anônimas e se articula por meio de um fórum de discussão, chamado Dogolachan, ainda segundo a Época.
Outras personalidades com fama na internet já foram alvo de ataques do grupo extremista como o deputado federal Jean Wyllys e a blogueira feminista Lola Aronovich, à esquerda, até a advogada Janaina Paschoal, à direita.
O fórum foi criado por Marcelo Valle Silveira Mello -a primeira pessoa condenada por racismo na internet no Brasil- e Emerson Eduardo Rodrigues.
A Polícia Federal considera os dois os grandes articuladores da maior rede de ódio que atua há ao menos uma década no país. Eles chegaram a ser presos na Operação Intolerância, em 2012, mas se livraram porque havia, na época, um vácuo na legislação para crimes cometidos na internet.
Antes do Marco Civil da Internet (2014) e da Lei Antiterrorismo (2016), os ataques reiterados só podiam ser enquadrados em crimes contra a honra ou injúria racial, por exemplo.
O grupo voltou a ser alvo das autoridades em 2018, quando a PF deflagrou a Operação Bravata, prendendo novamente Marcelo Mello e outros membros do Dogolachan.