ARTUR RODRIGUES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) 

O infectologista David Uip, então responsável pelo centro de contingência contra o coronavírus em São Paulo, manifestou preocupação sobre contágio de funcionários da saúde por coronavírus durante coletiva de imprensa no dia 17. Menos de uma semana depois, receberia a confirmação de que ele próprio estava infectado.
Então chefe do centro de contingência contra o coronavírus, teve de deixar o comando do combate à doença para entrar em quarentena.
Baixas como essa são cada vez mais comuns na rede pública de São Paulo, contam funcionários do sistema de saúde. Além de engrossar as estatísticas de pessoas doentes, servidores têm desfalcado o combate à doença em hospitais e unidades de saúde, descrito por eles como um “cenário de guerra”.
Sem acesso a material próprio de proteção como máscaras, aventais, luvas e até álcool em gel, dizem eles, a tendência é que esses números sejam cada vez maiores.
Conforme a crise foi crescendo da Europa, um dos problemas para a guerra contra o vírus passou a ser o alto percentual de funcionários fora de combate. Na Espanha, estatísticas divulgadas na segunda registravam que 12% dos 28,5 mil infectados eram profissionais da saúde. Na Itália, o índice também é próximo de 10%.
“Muitos trabalhadores estão nos procurando falando que estão sendo afastados por suspeita de infecção. Não fizemos um levantamento ainda, mas há um número alto”, diz Lourdes Estevão, funcionária da saúde e membro do Sindsep (Sindicato dos Servidores Municipal de São Paulo).
Segundo a entidade, apenas no Hospital Municipal do Tatuapé, por exemplo, são dez casos do gênero.
Os funcionários são proibidos de dar entrevistas. A reportagem, porém, conversou com servidores afastados e outros que continuam na ativa, sob condição manter seus nomes em sigilo.
Uma funcionária que atua dentro da área de isolamento do coronavírus no Hospital Tatuapé descreveu a situação como surreal e disse que não há mão de obra ou estrutura para atender tantos pacientes infectados.
“Muitos funcionários do PS já foram afastados e não estão colocando ninguém no lugar para cobrir esse desfalque. Os colegas que começaram a sentir os sintomas são afastados”, disse uma funcionária do hospital. “Estamos muito sobrecarregados. Está muito difícil trabalhar lá. Estamos jogados ao deus-dará, num cenário de guerra.”
Sem testes, os funcionários com casos suspeitos afirmam que são afastados por 14 dias, conforme protocolo oficial.
“Eu estava com os sintomas do coronavírus e o médico recomendou que ficasse afastado. Estou fora até o dia 4”, diz um técnico de enfermagem da região de Perus. “Na unidade onde eu trabalho, já são quatro afastados agora por suspeita de coronavírus.”
Ele afirma que, no local, há um racionamento de material e que parte dos equipamentos de proteção não é adequada.
“O avental que não é impermeável e só pode usar um a cada 12 horas. Máscara também é uma cada 12 horas. Um dia faltou, me deram uma N95, mas tem que usar por 30 dias”, diz.
Conforme a Folha de S.Paulo revelou na terça (24), até mesmo funcionários que atuam diretamente com infectados contam que não estão recebendo o material correto. Eles afirmam que, algumas vezes, têm de compartilhar material e reutilizar descartáveis.
Segundo protocolo do Ministério da Saúde, no caso de atendimento de casos suspeitos o equipamento mínimo para atendimento de pacientes em consultório é máscara cirúrgica e luvas, óculos ou protetor facial e aventais descartáveis. A prefeitura sustenta que os funcionários que precisam têm acesso ao material.
Uma vez afastados sob suspeita, os funcionários não têm sido testados, uma reivindicação da categoria. Por isso, voltam apenas duas semanas depois.
No estado de São Paulo, porém, os profissionais que cuidam do centro de contingência contra o coronavírus defenderam um tempo de afastamento menor. O médico David Uip, enquanto esteve coordenando o grupo, afirmou que iria propor ao Ministério da Saúde a diminuição do tempo de 14 para 10 dias. “Faz toda diferença no impacto da força de trabalho da saúde”, disse.
O secretário estadual de Saúde, José Henrique Germann, afirmou nesta semana que trabalha em um alinhamento com o Ministério da Saúde para reverter uma portaria que restringe a atuação de profissionais da saúde após contato com infectados. “Os profissionais de saúde têm a missão de tratar os pacientes e por isso nem aqueles acima de 60 anos de idade foram dispensados. [Não vamos] colocar os serviços em risco de colapso”, disse.
A reportagem perguntou às gestões Bruno Covas (PSDB) e João Doria (PSDB) sobre o números de profissionais afastados e sobre as políticas em relação a eles, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.

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